“Educar é semear com sabedoria e colher com paciência!”
Augusto Cury

terça-feira, 1 de abril de 2014

Um quarto dos jovens consome fármacos para a concentração e para acalmar

Quarenta por cento dos jovens ingerem bebidas energéticas para melhorar a sua performance, revela o primeiro estudo nacional sobre este tipo de consumos.


Jovens trabalhadores de call centers são dos que mais consomem fármacos para dormir RUI GAUDÊNCIO

Cerca de um quarto dos jovens portugueses (dos 18 aos 29 anos) já consumiu fármacos para a concentração, quase a mesma proporção fê-lo para descontrair e acalmar, concluiu o primeiro estudo nacional realizado em Portugal sobre Medicamentos e Consumos de Performance, na população jovem, que foi apresentado esta segunda-feira no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa.

O objectivo da investigação, realizada por uma equipa do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, em parceria com a Egas Moniz-Cooperativa de Ensino Superior, foi perceber até que ponto é prevalecente o consumo de medicamentos ou produtos naturais destinados a melhorar o desempenho pessoal, o que inclui os que se destinam a melhorar à parte neuro-cognitiva, como a parte físico-corporal, explica a coordenadora do estudo, a socióloga Noémia Lopes.

Assim, perguntaram a uma amostra da população portuguesa com estas idades – foram inquiridos 1483 jovens entre 2012 e 2013 – se consumiam medicamentos e/ou produtos naturais para dormir, para a concentração, para descontrair/acalmar, para aumentar a energia física, para emagrecer e para aumentar a massa corporal. Da lista faziam parte dezenas de produtos, que incluíam desde a valeriana ao ginseng, de tranquilizantes a fármacos para dormir, do magnésio a complexos multivitamínicos, mas também bebidas energéticas. No total, 71,9% dos inquiridos já consumiram este tipo de produtos, refere a investigadora.

Mas o que ressaltou dos resultados foi sobretudo o consumo vocacionado para a melhoria da performance neuro-cognitiva. Os fármacos para a concentração e para descontrair/acalmar predominam nos consumos de performance da população jovem: respectivamente, 25,3% e 23,8% dos inquiridos. Com os mesmos objectivos mas desta feita com recurso a produtos naturais há 21% de jovens que dizem usá-los para descontrair/acalmar e 17,7% para melhorar a concentração.

Uma indústria "do natural"
Noémia Lopes refere-se à existência de “uma indústria ‘do natural". Os jovens cada vez mais consomem "o natural, um sector sem regulação e sem controlo” e agora fazem-no muitas vezes “em alternância” com os medicamentos. Antes, os jovens faziam uma escolha entre consumo de medicamentos ou de produtos naturais. Mas, ressalva a socióloga, constata-se que, em geral, os consumos de fármacos ou produtos naturais para melhorar o desempenho são descontínuos e pontuais. "Tomam-nos durante dois ou a três dias e depois interrompem-nos.”

O crescente uso de medicamentos para finalidades “de gestão do desempenho pessoal” é uma realidade que se insere no que os sociólogos designam “de farmacologização do quotidiano”, refere Noémia Lopes. Ou seja, há cada vez mais pessoas a recorrer a fármacos e outros produtos medicamentosos para fins “que estavam fora do campo da saúde e da doença". "Ampliaram-se as funções do medicamento. Há uma nova relação com os medicamentos”, que se relaciona com “superar os limites naturais, em atingir os máximos, em produzir a sua própria imagem”.

Na performance física predominam os consumos para a energia física (10.3% dos inquiridos), seguido de produtos naturais para emagrecer (9,4% dos inquiridos). Em termos internacionais os estudos nesta área têm-se centrado no consumo de fármacos para concentração entre estudantes universitários, explica a investigadora. Este estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, quis ir mais além, diz, estudando, além da população universitária, jovens trabalhadores sem formação superior que trabalham em call-centers emegastores (lojas com grandes superfícies). Noémia Lopes refere que estes consumos são comuns aos dois grupos de jovens mas há especificidades.

Maximizar o corpo e a mente
Os trabalhadores jovens manifestam mais preocupação com a questão corporal e, por isso, consomem mais fármacos ou produtos naturais vocacionados para a melhoria da sua imagem física e para se sentirem melhor. Em contraste, os estudantes investem mais em tentar maximizar a sua capacidade intelectual. No universo dos que consomem para melhorar a parte intelectual as raparigas estão claramente na dianteira face aos rapazes. A idade de início de consumo anda pelos 17 anos. Os que mais consomem fármacos para dormir são os inquiridos que trabalham em call-centers, mais do que os estudantes universitários, são 18,9% os que dizem fazê-lo. “Vivem um ambiente de grande pressão psicológica, quase física”, nota.

“Uma grande surpresa” para a investigadora foi o facto de as bebidas energéticas serem usadas por cerca de 40% dos inquiridos para finalidades de melhoria do desempenho, sendo de longe o produto mais consumido. A investigadora nota que não se está a falar de pessoas que ingerem estas bebidas porque gostam do sabor, são consumos destinados a melhorar a performance. “São bebidas com grande doses de cafeína usadas tanto para se manterem acordados, nomeadamente em trabalhadores por turnos, como para aumentar a concentração”, diz.

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Questionados sobre os efeitos dos seus consumos, só uma pequena minoria, 21,2% (o que corresponde a 315 pessoas) disse ter sentido efeitos negativos, surgindo no topo a insónia ou sonolência, as dores de cabeça e estômago, a dependência psíquica e as arritmias e tremores. São muitos mais os que reportam impactos positivos: 64,5% (o que corresponde a 957 inquiridos) descrevem melhoria na sua concentração, dizem ter ficado mais calmos em exames e entrevistas de emprego, reportam aumento de bem-estar e maior resistência para estudar durante longos períodos de tempo.

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No que toca à sua compra, os produtos destinados a melhorar a parte cognitiva são sobretudo adquiridos nas farmácias, os mais vocacionados para a performance física são mais adquiridos em locais como parafarmácias e lojas dietéticas, elencou o sociólogo do ISCTE. “Há uma expansão mercantil da oferta de recursos para a gestão do desempenho”. Para o investigador, ficam no ar perguntas sobre as novas formas regulação deste campo em aparente expansão.

01/04/2014 - 07:45


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